terça-feira, 24 de maio de 2011

“Mas ele queria tanto” “Foi só dessa vez, da próxima vou me manter firme”.



Quando o assunto é limite arranjamos várias explicações para justificar porque cedemos às vontades de nossas crianças, mesmo com a convicção de que essa não seria a melhor atitude.

Mas por que será que isso acontece? Por que, por vezes, não conseguimos manter uma posição contrária ao desejo de nossos pequenos?

Para que eles parem de insistir (e olha que eles são craques nisso)? Para que não fiquem chateados? Para que não fiquem bravos com a gente? Para que não sofram?

Se alguma dessas perguntas teve um “talvez” como resposta, precisamos relembrar os motivos que “estão por trás” de nossas atitudes quando precisamos colocar limites.

Eles são fundamentais para o desenvolvimento de nossas crianças na medida em que oferecem segurança para terem novas experiências. É porque confiam que não vamos soltá-las antes do tempo que experimentam tirar as rodinhas da bicicleta. É porque sabem que estamos por perto para protegê-las que se arriscam nas novidades do crescimento.

Muitas vezes, na tentativa de poupar as crianças do sofrimento, desejando proporcionar todas as experiências possíveis e impossíveis para serem felizes a todo instante e tentando dar o melhor para elas, corremos o risco de sermos protetores ao extremo e tratarmos nossas crianças como se fossem muito frágeis. Este pode ser um caminho para o “nascimento” de um “reizinho mandão” em casa.

Faz parte de nosso papel como educadores, colocar limites e faz parte (em algumas situações) do papel das crianças, tentar burlar, não aceitá-los de imediato, fazer “caras feias”, “bicos de mau humor”. Precisamos estar preparados para isso, tendo a certeza que a sustentação dos limites é necessária para que tenham a oportunidade de aprender a lidar com as frustrações e conviver socialmente de forma mais harmoniosa.

E por mais que no fundo realmente seja muito difícil ver nossos pequenos (às vezes já nem tão pequenos assim) chateados, frustrados e bravos sabemos que tudo isso será fundamental para que eles possam, considerando opiniões diferentes da suas, enfrentar desafios, se arriscar diante de situações mais complexas…

Desta maneira, a relação que estabelecemos com as crianças pode favorecer o crescimento ou apenas se tornar um espaço para livrá-la de um suposto “sofrimento” momentâneo.

Érica Ditolvo

sexta-feira, 20 de maio de 2011

As mães que nos desculpem, mas não comemoramos o seu dia aqui na escola.

Por Dayse Gonçalves

Estamos no mês das comemorações pelo dia das mães. Muitas escolas levam as datas comemorativas muito a sério – as chamadas efemérides – e chegam a alterar a rotina escolar, gastando parte de seu precioso e escasso tempo com a realização de tarefas que pouco valor formativo têm para as crianças. Hoje, por exemplo, data em que escrevo este post, tem gente comemorando o “Dia do Índio”. Em algumas escolas as crianças produzem desenhos de índios, voltam para casa com uma pintura no rosto ou um usando um cocar. Quando muito, alguma informação relevante sobre a cultura indígena.

Fico numa tristeza danada quando penso no lugar que algumas temáticas ocupam no currículo escolar quando o critério de seleção de conteúdo é o calendário, por exemplo! Mas isto é outro problema.

Voltando às mães, preciso dizer: o fato de não lhes rendermos homenagens na forma de pequenos presentes não significa que não reconheçamos sua importância. Pelo contrário. Por reconhecermos sua grande importância – na sociedade e na família -, cremos ser desnecessário agradá-las organizando comemorações que vão exigir sua presença num horário em que a maioria de vocês está envolvida com suas atividades profissionais, das quais, com certeza, a maioria inclusive se orgulha. Sem falar que nossa função é de fato outra.

Lembrei-me de um episódio, ocorrido há alguns anos, quando uma mãe queridíssima me telefonou para dizer o quanto estava triste por não ter sido lembrada pela escola, enquanto as mães dos colegas de condomínio de seu filho exibiam envaidecidas os presentes construídos nas aulas de Arte. Ficamos um bom tempo conversando sobre o assunto. Chegamos então às transformações sociais e, por extensão, às transformações pelas quais vem passando a família pós moderna. Chegamos às famílias monoparentais, às homoparentais, as famílias nas quais as crianças não convivem com suas mães ou já as perderam.

É curioso, não é mesmo? A sociedade muda e a escola não muda! Já não é hora de nos libertarmos de velhos padrões e também de muitos preconceitos? A propósito, não temos que ensinar isso a nossos alunos?

Para finalizar, proponho a leitura de uma divertida crônica de Adriana Falcão que encontrei na internet. Depois de lê-la verão que estão justificadas todas as declarações e demais manifestações de amor que recebemos todos os dias de nossos filhos, através dos desenhos e bilhetinhos carinhosos que nos deixam, dos muitos beijos e abraços, que valem muito mais que qualquer bem de consumo que as lojas insistem em vender no mês de maio.


Um dia de mãe

Chegou exausta, cheia de sacolas, dor de cabeça, morta de calor, faminta, caótica, e com um firme propósito: tomar um banho e cair na cama. Encontrou uma acalorada discussão a respeito da impossibilidade de dividir um computador em três (sem despedaçá-lo) e as três crianças aos berros. Todas as luzes da casa estavam acesas. A pressão subiu um pouco.

– Vocês querem fazer o favor de apagar as luzes enquanto eu tomo o meu banho?

Inútil. Todos os membros da família foram acometidos da síndrome de pensar em outra coisa, mal muito comum entre maridos e filhos durante reclamações, queixas, opiniões etc.
Saiu pela casa desligando tudo que estava aceso para o nada: lâmpadas, som, TV, internet…

– Por isso que eu liguei pra cá e só deu ocupado o dia inteiro!

– O quê?

Nada. Já tinha desistido de competir com o walkman fazia muito tempo.

No quarto da filha mais velha, dezenove blusas, cinco saias e quatro vestidos estavam espalhados em cima da cama para devida apreciação da mesma.

– Vai sair?

– Desisti. Não tenho roupa.

A pressão subiu vertiginosamente. Bobagem. Nada que um banho não resolvesse.

– Esse jantar não sai hoje não?

Esquece o banho.

– Sopa de novo?

Calma.

– Ergh!

Respira.

– Por que eu não tenho copo?

Palpitação moderada. Coisa controlável. Foi buscar o copo.

– Aproveita que tá na cozinha e frita um ovo pra mim?

Claro. Fritar ovo inclusive é uma ótima terapia ocupacional pra quem já passou por dois engarrafamentos, banco, pediatra, ginástica, supermercado, uma papelaria entupida de mães comprando material escolar e cinco reuniões de trabalho. Normal.

– Você não sabe que eu só gosto de gema mole?

Teve uma leve síncope nervosa, mas conseguiu se controlar. Afinal, a culpa era dela. Como podia ter cometido um erro tão grave? É óbvio que a mais velha e a do meio gostavam de gema mole (muito sal para a primeira, pouco para a segunda), a menor preferia ovo mexido (sal no ponto), o marido não suportava gema… Ou não suportava clara? Quem gostava de omelete? Qual das crianças teve sarampo? Quem foi que quebrou a perna?

Bateram na porta. Era o porteiro, pra avisar que ia faltar água. Ameaça de infarto. Passou, graças a Deus. Voltou quando alguém espatifou a jarra de suco no chão. (Dessa vez foi de miocárdio.) A menorzinha disse que foi a mais velha. A mais velha disse que foi a do meio. A do meio disse: tudo eu! E se trancou no quarto, de onde só saía em último caso, um incêndio ou um telefonema, por exemplo. O telefone tocou.

– Alguém pode atender enquanto eu limpo o chão ou limpar o chão enquanto eu atendo?

Todos os membros da família foram acometidos de um acesso de paralisia generalizada (espécie de praga que costuma ser causada pela presença da mãe no recinto) acompanhado de mudez instantânea. Acontece. Ela atendeu ao telefone, era engano, limpou o chão, voltou para a mesa, a sopa tinha esfriado. Melhor. Comer engorda.

– O ar-condicionado do meu quarto quebrou.

– Você se lembrou de comprar o meu livro de inglês?

– Não tem geléia não, é?

– O cachorro fez xixi na minha colcha.

– Por que eu não tenho garfo?

O telefone tocou de novo. Nova palpitação seguida de falta de ar súbita. Era para a menor.

– A Júlia pode dormir aqui hoje?

Pode.

– A mamãe deixou. Desce daqui a dez minutos que a gente passa aí pra te pegar.

Ligeiro formigamento no braço esquerdo. Angina? Isquemia? Talvez. Saiu de casa com o firme propósito de pegar a Júlia, voltar correndo, ir direto tomar um banho e cair na cama.

– Aproveita que vai sair e passa na locadora pra devolver os filmes.

– Aproveita que vai passar na locadora e compra o meu remédio na farmácia.

Casa da Júlia. Locadora. Farmácia. Ia ter de deixar o infarto e o banho pra mais tarde.